quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Eles, Por Exemplo


Em 1976 quatro já grandes nomes da MPB, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethania reuniram-se sob o nome Doces Bárbaros, realizaram vários shows e o registro dessas apresentações forma o álbum duplo homonimo que agora em 2006 completou 30 anos, efeméride que passou em brancas nuvens até mesmo na lembrança dos próprios artistas envolvidos.

Naqueles tempos a situação política do país já não era tão negra como no início da década de 70 sob a presidencia do general Garrastazu Médici.Ernesto geisel, no poder desde 1974, já anunciara e dera início ao tal processo de abertura política lenta e gradual, maculado aqui e ali por episódios(Vladimir Herzog, Manuel Fiel Filho) que denotavam o quanto setores mais truculentos do regime militar relutavam em abrandar as suas práticas(torturas, atentados,etc.).O presidente Geisel, na verdade, afrouxava as rédeas com uma das mãos enquanto mantinha a outra firme.

Os quatro baianos já eram famosos mas alguns eram (e ainda são) mais famosos que outros.Reconhece-se isso até mesmo neste texto pois na ordem em que aqui foram citados, primeiro vieram Caetano Veloso e Gilberto Gil.Sempre os dois homens como numa espécie de “linha de frente” para só depois aparecer Gal Costa e por último Maria Bethania.Por que sera isso assim?

Talvez por Veloso e Gil já terem liderado outro agrupamento artístico importante nove anos antes, o Tropicalismo.Gal Costa seria então a segunda na linha sucessória, coisa que aconteceu quando os dois foram exilados em Londres e ela ficou sendo a chefe-de-estado-maior tropicalista, cujo castelo já desmoronava antes mesmo de ter sido terminado.Maria Bethania, por não ter tido parte na aventura, tem uma aura de independencia que sempre faz com que a citemos por último.Não por uma suposta importancia menor.Simplesmente ela surge como uma personagem à parte da mesma forma que se diz dos Tres Mosqueteiros mas não esquece-se de D’artagnan.

Mas a despeito da amizade e das características que os uniam (unem) suas personalidades artísticas são tão fortes e distintas quanto as pessoais.E isso reflete-se na apresentação coletiva.Principalmente quando os quatro cantam juntos.Há sempre uma voz que destoa, chegando antes das outras ou demorando-se ainda um segundo enquanto as outras já se calaram.Tem-se a impressão de que não ensaiaram o bastante (ou já tenham vindo ensaiados de casa).

Os quatro saem-se melhor separados do que em conjunto.Só então sente-se o encanto da voz serena e firme de Bethania e o contraponto doce e solar de Gal, por exemplo.E não se pode dizer que (no primeiro LP) as composições de Caetano e Gil estejam entre as mais significativas de suas carreiras (“Pássaro Proibido”, “Chuck Berry Fields Forever”).As melhores atuações surgem na interpretação de músicas de outros compositores (“Fé Cega/Faca Amolada”, de Milton Nascimento e Fernando Brant e “Atiraste uma Pedra”, de David Nasser).

Já no segundo LP as composições próprias destacam-se ,“O Seu Amor”, de Gil, e sua derivação do infame lema da ditadura: “Brasil: Ame-o ou deixe-o”, que se transforma em “O seu amor/Ame-o e deixe-o/Ser o que quiser”, as animadas “Pé Quente Cabeça Fria” e “São João Xango Menino”, a obra prima “Um Índio”, cantada por uma Bethania cheia de paixão, e “Nós, Por Exemplo”, que seria o fecho ideal da empreitada, evitando que a reprise de “Os Mais Doces Bárbaros”acabasse dando um certo ranço às despedidas dos baianos que não continuaram a brincadeira de fazer de conta que eram um grupo.A abertura de Geisel se arrastava enquanto Gilberto Gil, pego com maconha, internava-se num sanatório pra supostamente se livrar do vício(!).Os Doces Bárbaros saíam de cena para a entrada dos Amargos.

Retrato de Uma Banda Quando Jovem


“Incesticide”é uma coletanea de out-takes e lados b de singles do Nirvana antes da fama e da revolução raivosa de “Nevermind”.O disco mostra uma banda ainda em busca de uma identidade musical com canções ainda sem aquela pegada de bateria característica trazida por Dave Ghrol mas já embuídas do talento de Kurt Cobain como compositor e vocalista.

O Nirvana na época perambulava por vários estilos, do rock-grunge nascente de “Sliver”e “Polly”(numa versão bem acelerada) aos resquícios de new wave, indo até uma emulação ao Led Zeppelin (em “Aero Zeppelin”), o Nirvana tentava se encontrar no meio de um momento de transição a um cenário em que seria protagonista.

Dançando em “Been a Son”, ou berrando em “Aneurysm”ou “Big Long Now”, o Nirvana podia muito bem se disfarçar de banda pop como também de banda punk.E na verdade não se sabe se era uma banda pop disfarçada de punk ou vice-versa.Talvez variasse de acordo com o gosto do seu líder.Ou talvez fosse intencional pois Kurt foi influenciado por várias bandas de estilos bem diferentes.E como foi dito acima, nessa época o Nirvana tentava se encontrar no meio das centenas de outras bandas de também tentavam o reconhecimento.

E se compararmos essas gravações, produzidas por entre outros, Jack Endino, com as de “Nevermind, conduzidas por Butch Vig, teremos uma idéia de como o produtor é importante na feitura de um álbum.E pelo menos vinte porcento da qualidade, do impacto e por conseguinte do sucesso de “Nevermind”deve-se ao trabalho de Vig.

Mas a figura principal é mesmo Kurt Cobain.O angustiado mas prolífico artista, músico aplicado (sem trocadilho) a despeito de seus problemas pessoais.E além disso, um inspirado artista plástico como se pode ver no desenho da capa de “Incesticide”.