sábado, 12 de dezembro de 2009

Outros Tempos


Em 1964, Bob Dylan ainda era o poeta dos desvalidos, profeta da folk music e em "The Times They Are A-Changing", seu terceiro álbum, a figura mítica se consolidaria ainda mais.Canções como a faixa título ou "With God On Our Side", "Ballad of Hollis Brown", entre outras, foram responsáveis pela aura de líder esquerdista poético e por sua identificação como  o rei das reinvindicações sociais, condição que o próprio Dylan renegaria alguns anos depois.
Mas em meio aos resmungos pessimistas e às letras quilométricas (que atestavam o caráter único do seu talento), se ouvirmos mais atentamente, descobriremos que o Dylan dos anos 60 não foi apenas mais um cantor folk, nem mesmo só mais um poeta dos descamisados, mas um artista que soube conjurar aspectos tanto musicais, literários e até mesmo teatrais em sua atuação nos palcos e estúdios.
Existem certos detalhes nas suas canções que muitas vezes passam despercebidos e ao serem descobertos, acabam servindo como chave para uma compreensão maior do seu trabalho.Por exemplo, nas suas "canções de protesto", quando a temática é séria, descrevendo tragédias, existe uma melodia mas não um ritmo, apenas um esboço dele.Pode-se até tentar encontrá-lo e acompanhá-lo com os pés, mas logo vemos que aquele ritmo era enganador, que Dylan então o interrompe, quebra a sequência como se não quisesse que acompanhássemos a música com os pés ou com palmas para não desviarmos nossa atenção daquilo que canta.
Já quando se mostra lírico ou introspectivo, e neste álbum em particular em apenas dois momentos ("One Too Many Mornings" e "Boots of Spanish Leather") surge um espaço para a diversão sem aquele "doutrinamento social".
"The Times They Are A-Changing" é o disco mais político de Dylan.Inicia-se anunciando novos tempos trazidos pelos jovens, contra pais, governos, críticos, toda uma sociedade organizada e repressora, perpassa dramas pessoais, todos causados pela pobreza e/ou o racismo e termina com um adeus fugaz, apressado, de quem semeou o campo mas não ficará para colher o que plantou pois existem outros campos a semear e como diria aquela mítica canção de Muddy Waters:"Pedras que rolam não criam musgo".

sábado, 29 de agosto de 2009

Pink Floyd encontra o Nirvana


O título acima dá uma idéia sobre o primeiro disco do Radiohead, "Pablo Honey", de 1992, um ano depois da explosão causada pelo Nirvana com seu "Nevermind".
O Radiohead estreava tendo como característica principal a parede sonora das guitarras de Ed O'Brian e Johnny Greenwood, canções irônico-pessimistas na voz dilacerada do jovem Thom Yorke, que ora em resmungos quase incompreenssíveis, ora em gritos lancinantes, desfiava seu desencanto com o mundo - e consigo mesmo ("I'm a creep/ I'm a wierdo/ What the hell am I doing here?/I don't belong here", no hino "Creep"), ou seu sarcasmo ("Grow my hair/ I wanna be Jim Morrison", em "Anyone Can Play Guitar").
Mesmo sendo uma ótima estréia, era impossível prever o sucesso que a banda alcançaria alguns anos depois com seu "OK Computer".E apenas na canção final, "Blow Out", nota-se um pouco daquela sonoridade responsável pelo título deste texto.Uma canção de rock, barulhenta, mas não catártica, e sim, misteriosa, em que nos sentimos como que entrando num longo túnel cuja saída é incerta.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Um Cara Ciumento


Em 1971 os Beatles já estavam mortos e enterrados e o mundo acreditava que o coveiro havia sido Paul McCartney por conta de uma coletiva de imprensa em que ele anunciou o seu desligamento do grupo, sacando rapidamente com a outra mão o seu primeiro álbum solo.Mas os bastidores do fim dos Beatles não foram exatamente como Macca deu a entender.Eles não acabaram por ele haver decidido deixar a banda, mas sim, por ela já haver se esfacelado, depois de inúmeras tentativas de manter o grupo unido (a maioria do próprio McCartney), das pequenas-grandes discussões, das picuinhas financeiras, dos interesses artísticos conflitantes, da presença de Yoko Ono e a insistencia de John Lennon em transformá-la em membro da banda, e last but not least, do fastio em ter de aguentar Paul tomando conta de tudo e dando as ordens como se fosse o dono da bola (e da banda).Enfim, era o fim do sonho.

Se o sonho havia acabado, só o que restava fazer era levantar e seguir em frente.E foi o que John Lennon fez.Seu primeiro disco depois da separação ("Plastic Ono Band", 1970) apresentava-o tentando exorcizar tudo o que o incomodava emocionalmente, da perda da mãe ao fim dos Beatles.Não fez muito sucesso.Já o segundo, lançado no ano de 1971 era mais acessível. “Imagine”.Sim, voce certamente já se cansou de ouvir essa música antes.Mas somente ao ouvir o disco inteiro percebe-se o quanto John Lennon já sabia se virar sem a pequena ajuda de Paul e seus antigos chapas de banda (se bem que George Harrison participa de umas faixas).E é assim que ele se mostra neste álbum, um artista com pleno controle sobre seu trabalho e seguro de seu talento, por mais que em certas canções ele diga o contrário.

Imagine – É a que abre o disco.Tornou-se um hino, uma música símbolo de tudo o que ansiamos que um dia se torne realidade.Mas na idéia de mundo pacífico de Lennon não há lugar para a religião.O primeiro verso já deixa isso claro: “Imagine there`s no heaven”.Talvez pela consequencia que isso traz, pois se não existe o paraíso, também não existirá o inferno.O instrumental comedido deixa a ênfase para os versos de Lennon.Os sóbrios acordes do piano nos dão a impressão de alguma cerimônia está para começar.E após a sua morte a música ficou com um aspecto de réquiem.

Crippled Inside – Depois do hino, uma emulação às “old fashioned songs”americanas dos anos 30.Com vocal baixo, semi-encoberto pelos instrumentos, imitando um cantor canastrão das antigas, Lennon parece descrever a si mesmo na época dos Beatles: “You can shine your shoes/And wear a suit/You can comb your hair/And look quite cute/You can hide your face behind a smile/One thing you can`t hide/Is when you`re crippled inside”.

Jealous Guy – Primorosa canção-de-desculpas que nasceu como “Child of Nature”, composta por John enquanto os Beatles estavam no retiro com o Maharishi Yogi, em 1968.A letra original dizia: “I`m just a child of nature/I don`t need much to set me free/I`m just a child of nature/One of nature`s children”.Virou: “I didn`t mean to hurt you/I`m sorry that I made you cry/I didn`t want to hurt you/I`m just a jealous guy”.Mais um exemplo da busca de Lennon pela simplicidade nas letras.Pode ser considerada uma irmã de “Imagine”.O predominio inicial do piano cria um clima intimista logo invadido por um arranjo de cordas que parece vindo próprio paraíso (que ele gostaria que não existisse), mas aqui, o nome de Deus talvez seja Phil Spector.

It`s So Hard – Lamento (mas não lamúria) sobre as pressões sociais, emocionais, pelas quais nove entre dez seres humanos passam.Falando assim, parece uma obviedade mas nem todos conseguem colocar esse sentimento tão comum de desamparo e insegurança numa canção de forma tão clara e certeira.E ainda fazer com que acompanhemos o ritmo com os pés. “You got to live/You got to love/You got to be somebody/You got to shove/But it`s so hard, it`s really hard/Sometimes I feel like going down”.Parece ser o mesmo tema de “Help”.

I Don`t Want to be a Soldier – A mais longa do disco.Tem uma abordagem musical incrivelmente moderna.Remixada por algum DJ contemporaneo poderia até se transformar em hit nas pistas.Dançante mas sombria, com a voz de Lennon encoberta outra vez, discorre sobre os papéis que ele (na pele ou de um menino, ou de um adolescente, ou mesmo de um homem feito) não gostaria de representar.Por não querer morrer (“soldier”, “beggar”), chorar (“failure”, “rich man”, “churchman”), até mesmo voar (“sailor”, “poor man”).

Give Me Some Truth – Mais um desabafo.Aqui ele esgarça a voz feito um Alice Cooper para declarar estar cheio de políticos, hipócritas, neuróticos, psicóticos, chauvinistas, prima-donnas, esquizofrenicos, paranóicos, egocentricos, e que agora só a verdade lhe interessava.Mais um daqueles rocks que se não agitam as pernas e quadris, atingem direto no coração.E mais uma prova de que Lennon podia se transformar num homem de várias vozes.

Oh My Love – Uma das mais lindas melodias já feitas.Com a delicadeza de quem acompanha o sono do ser amado, um Lennon calmo e sereno declara-se pela primeira vez com os olhos e mente totalmente abertos, não por drogas ou conselhos de algum guru fajuto, mas simplesmente pelo amor (por Yoko, subentende-se).Lennon desenvolveu-se como pianista, e a melodia que ele dedilha é tão linda quanto a que está cantando.

How Do You Sleep? – O famoso petardo de Lennon contra seu ex-parceiro McCartney.Sua raiva e ressentimento, curiosamente, não vem através de gritos ou de um instrumental raivoso, mas sim num canto elaboradamente debochado e num swing envolto por um arranjo de cordas espertíssimo.Paul deve ter ficado louco da vida não só pelas coisas que são ditas na canção (“The only thing you done was Yesterday”, “A pretty face may last a year or two”) mas também por ela ser muito boa.

How? – Mais um lamento de Lennon (aqui beirando a lamúria) sobre sua insegurança e quase descrença em si mesmo, resultado de seus traumas do passado (“How can I go forward when I don`t know which way I`m facing?”, “How can I give love when when love is something I ain`t never had?”).Aqui o ritmo mantem-se suspenso até que ele formule sua longa pergunta retórica a si mesmo, ou como se estivesse num consultório de psicanálise(ou num confessionário).

Oh Yoko! – A canção que fecha o álbum pode servir de contraponto à anterior.John resolve todas as suas dúvidas e indecisões correndo para os braços de Yoko Ono :“In the middle of the night I call your name”, e esse chamado extende-se para toda e qualquer situação: “In the middle of a dream”, “In the middle of a shave”, “In the middle of the bath”, etc.A música é alegre e otimista de um jeito que se acharia impossível para alguém que compôs tantos lamentos.E no final dela surge uma gaita à la Bob Dylan (por mais que Lennon tentasse se livrar das influencias dos anos 60, elas estavam nele feito tatoos).

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Here Comes The Band


Eu já conhecia a maioria das músicas que estão no disco "Surfer Rosa" da banda americana Pixies.Lançado em 1988, o álbum foi o primeiro deles que antes só haviam lançado o EP "Come On Pilgrim", e é um dos melhores de todos os tempos."Bone Machine", "Cactus", "Gigantic", "Brick Is red", "Where Is My Mind" tornaram-se clássicos.

A influência do Pixies sobre bandas como o Nirvana é inegável (o próprio Kurt Cobain enfatizou o quanto sua banda devia a eles) como também a força do seu som, que apostava na inventividade sem descuidar da diversão e do barulho das guitarras.O Pixies parecia estar à frente do seu tempo, à parte no cenário de rock dos anos 80, a ponto de suas canções terem um vigor como se tivessem sido gravadas ontem.

A banda nunca esteve entre os mais vendidos nas paradas e só emplacou um grande suceso na época, "Here Comes Your Man".Aliás, única música deles que ouvia-se em FMs brasileiras "de rock".Seu último disco, "Trompe Le Monde" é de 1992 mas a banda nunca foi realmente esquecida.E teve uma canção em destaque no filme "Clube da Luta", o que serviu para trazer a grupo à tona na memória dos roqueiros do mundo.

As letras de suas canções são surreais e é quase impossível extrair um significado que faça algum sentido, a não ser que Frank Black (ex-Black Francis, guitarrista e mentor da banda) dê uma dica.Ao seu lado no palco havia a musa Kim Deal no baixo.Kim também cantava e compunha ("Gigantic", "Into The White") e depois da separação do grupo, juntou-se a sua irmã Kelly e formou os Breeders.

Na bateria, o vigor de David Lovering aliando uma técnica precisa a uma certa insanidade necessária.Joey Santiago era o segundo guitarrista e par perfeito para os delírios sonoros de Black Francis.

O Pixies era uma banda de universitários, formada em Boston, mas que não soava "phoney", "meia-boca", sem pegada, ao contrário, era seminal, serviu de inspiração a dezenas de outros grupos, e abriu caminho para o grunge, o que, convenhamos, não é pouca coisa.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Eles, Por Exemplo


Em 1976 quatro já grandes nomes da MPB, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethania reuniram-se sob o nome Doces Bárbaros, realizaram vários shows e o registro dessas apresentações forma o álbum duplo homonimo que agora em 2006 completou 30 anos, efeméride que passou em brancas nuvens até mesmo na lembrança dos próprios artistas envolvidos.

Naqueles tempos a situação política do país já não era tão negra como no início da década de 70 sob a presidencia do general Garrastazu Médici.Ernesto geisel, no poder desde 1974, já anunciara e dera início ao tal processo de abertura política lenta e gradual, maculado aqui e ali por episódios(Vladimir Herzog, Manuel Fiel Filho) que denotavam o quanto setores mais truculentos do regime militar relutavam em abrandar as suas práticas(torturas, atentados,etc.).O presidente Geisel, na verdade, afrouxava as rédeas com uma das mãos enquanto mantinha a outra firme.

Os quatro baianos já eram famosos mas alguns eram (e ainda são) mais famosos que outros.Reconhece-se isso até mesmo neste texto pois na ordem em que aqui foram citados, primeiro vieram Caetano Veloso e Gilberto Gil.Sempre os dois homens como numa espécie de “linha de frente” para só depois aparecer Gal Costa e por último Maria Bethania.Por que sera isso assim?

Talvez por Veloso e Gil já terem liderado outro agrupamento artístico importante nove anos antes, o Tropicalismo.Gal Costa seria então a segunda na linha sucessória, coisa que aconteceu quando os dois foram exilados em Londres e ela ficou sendo a chefe-de-estado-maior tropicalista, cujo castelo já desmoronava antes mesmo de ter sido terminado.Maria Bethania, por não ter tido parte na aventura, tem uma aura de independencia que sempre faz com que a citemos por último.Não por uma suposta importancia menor.Simplesmente ela surge como uma personagem à parte da mesma forma que se diz dos Tres Mosqueteiros mas não esquece-se de D’artagnan.

Mas a despeito da amizade e das características que os uniam (unem) suas personalidades artísticas são tão fortes e distintas quanto as pessoais.E isso reflete-se na apresentação coletiva.Principalmente quando os quatro cantam juntos.Há sempre uma voz que destoa, chegando antes das outras ou demorando-se ainda um segundo enquanto as outras já se calaram.Tem-se a impressão de que não ensaiaram o bastante (ou já tenham vindo ensaiados de casa).

Os quatro saem-se melhor separados do que em conjunto.Só então sente-se o encanto da voz serena e firme de Bethania e o contraponto doce e solar de Gal, por exemplo.E não se pode dizer que (no primeiro LP) as composições de Caetano e Gil estejam entre as mais significativas de suas carreiras (“Pássaro Proibido”, “Chuck Berry Fields Forever”).As melhores atuações surgem na interpretação de músicas de outros compositores (“Fé Cega/Faca Amolada”, de Milton Nascimento e Fernando Brant e “Atiraste uma Pedra”, de David Nasser).

Já no segundo LP as composições próprias destacam-se ,“O Seu Amor”, de Gil, e sua derivação do infame lema da ditadura: “Brasil: Ame-o ou deixe-o”, que se transforma em “O seu amor/Ame-o e deixe-o/Ser o que quiser”, as animadas “Pé Quente Cabeça Fria” e “São João Xango Menino”, a obra prima “Um Índio”, cantada por uma Bethania cheia de paixão, e “Nós, Por Exemplo”, que seria o fecho ideal da empreitada, evitando que a reprise de “Os Mais Doces Bárbaros”acabasse dando um certo ranço às despedidas dos baianos que não continuaram a brincadeira de fazer de conta que eram um grupo.A abertura de Geisel se arrastava enquanto Gilberto Gil, pego com maconha, internava-se num sanatório pra supostamente se livrar do vício(!).Os Doces Bárbaros saíam de cena para a entrada dos Amargos.

Retrato de Uma Banda Quando Jovem


“Incesticide”é uma coletanea de out-takes e lados b de singles do Nirvana antes da fama e da revolução raivosa de “Nevermind”.O disco mostra uma banda ainda em busca de uma identidade musical com canções ainda sem aquela pegada de bateria característica trazida por Dave Ghrol mas já embuídas do talento de Kurt Cobain como compositor e vocalista.

O Nirvana na época perambulava por vários estilos, do rock-grunge nascente de “Sliver”e “Polly”(numa versão bem acelerada) aos resquícios de new wave, indo até uma emulação ao Led Zeppelin (em “Aero Zeppelin”), o Nirvana tentava se encontrar no meio de um momento de transição a um cenário em que seria protagonista.

Dançando em “Been a Son”, ou berrando em “Aneurysm”ou “Big Long Now”, o Nirvana podia muito bem se disfarçar de banda pop como também de banda punk.E na verdade não se sabe se era uma banda pop disfarçada de punk ou vice-versa.Talvez variasse de acordo com o gosto do seu líder.Ou talvez fosse intencional pois Kurt foi influenciado por várias bandas de estilos bem diferentes.E como foi dito acima, nessa época o Nirvana tentava se encontrar no meio das centenas de outras bandas de também tentavam o reconhecimento.

E se compararmos essas gravações, produzidas por entre outros, Jack Endino, com as de “Nevermind, conduzidas por Butch Vig, teremos uma idéia de como o produtor é importante na feitura de um álbum.E pelo menos vinte porcento da qualidade, do impacto e por conseguinte do sucesso de “Nevermind”deve-se ao trabalho de Vig.

Mas a figura principal é mesmo Kurt Cobain.O angustiado mas prolífico artista, músico aplicado (sem trocadilho) a despeito de seus problemas pessoais.E além disso, um inspirado artista plástico como se pode ver no desenho da capa de “Incesticide”.